“Não quero que me imitem. Não
quero ninguém atrás de mim. Tenho muito medo de ser porta-voz de qualquer
coisa”. Nesta declaração de 1988, Cazuza já profetizava o inevitável. O
talento instintivo e avassalador, o temperamento explosivo, a linguagem única e
libertária fizeram dele um ícone sem precedentes na cultura contemporânea
produzida no Brasil. Muito mais do que isso: ainda que à revelia, foi, mesmo
sem pretender sê-lo, o grande cronista da juventude brasileira dos anos 80.
Morto em 1990, aos 32 anos, no auge da carreira, foi alçado a precoce e
definitivo mito no imaginário brasileiro. E que pela primeira vez tem sua breve
e trepidante trajetória contada nos palcos, através de‘Cazuza Pro Dia Nascer
Feliz, o Musical’, de Aloísio de Abreu, com direção de João Fonseca. A
apresentação em Paulínia acontece desde sexta-feira, dia 23 de maio até domindo,
25 às 17 horas, no Theatro Municipal Paulo Gracindo.
O espetáculo reúne alguns dos
maiores clássicos de Cazuza em carreira solo ou no Barão Vermelho, como “Pro
Dia Nascer Feliz” e “Codinome Beija Flor”. Canções como ‘Bete Balanço’,
‘Ideologia’, ‘O Tempo não para’, ‘Exagerado’, ‘Brasil’, ‘Preciso dizer que te
amo’, ‘Faz parte do meu show’ estão presentes no roteiro, que reserva espaço
também para composições de Cazuza que ele nunca chegou a gravar, como
‘Malandragem’, ‘Poema’ e ‘Mais Feliz’.
O elenco é encabeçado pelo músico
e ator Emílio Dantas*, de 30 anos, que faz sua segunda incursão em musicais.
Susana Ribeiro, Marcelo Várzea, André Dias, Fabiano Medeiros, Yasmin Gomlevsky,
Thiago Machado, , Bruno Fraga, Bruno Narch, Bruno Sigrist,Saulo Segreto,Dezo
Mota, Sheila Matos, Juliane Bodini, Oscar Fabião e Osmar Silveira completam a
escalação. Dando vida a nomes como Lucinha e João Araújo , Ney
Matogrosso, Bebel Gilberto, Frejat,Caetano Veloso, Dé Palmeira, entre vários
outros personagens que gravitaram no universo de Cazuza.
Para a construção do texto,
Aloísio de Abreu partiu das conversas com pessoas próximas a Cazuza e fez uma
ampla pesquisa para acriação da estrutura dramática do espetáculo. “Apesar de
frequentar os mesmos lugares, eu não conhecia o Cazuza. Entretanto, sempre tive
uma profunda identificação com a obra dele, que tem um quê de crônica da nossa
época, revelando de forma rasgada comportamentos típicos dos jovens que todos
éramos nos anos oitenta”, explica Aloísio.
Como a vida do personagem foi
curta e, ao mesmo tempo, muito intensa, o autor procurou contar a história de
forma ágil, avançando sempre a partir dos momentos de virada na carreira e na
vida dele: a descoberta do teatro, o gosto pelo rock, o momento em que resolve
cantar, montar uma banda, se profissionalizar, o estouro, as brigas, a mudança
no estilo de sua obra, o estrelato solo, a descoberta da doença, a urgência
poética no fim das forças. Enfim, momentos que levam a história adiante. “As
músicas se inserem quase como parte do texto. Estrutura de musical mesmo. Claro
que tem momento show, mas a trajetória do Cazuza é contada através das letras e
da poesia dele. Tudo no texto ‘faz parte do show’“, complementa.
A montagem dá continuidade à
pesquisa desenvolvida por João Fonseca de uma cena musical brasileira mais
despojada e teatral. “Este espetáculo é mais um passo do trabalho que comecei
com ‘Gota d’água’ e que culminou no ‘Tim Maia’. É uma nova possibilidade de desenvolver
e aperfeiçoar uma linguagem muito autoral de musical iniciada há alguns anos”.
O diretor conta que os depoimentos de Lucinha Araújo foram fundamentais na
estruturação cênica do espetáculo: “A partir das lembranças dela, vamos
conhecendo a vida e a obra desse artista e, tal como sua obra, a peça alterna
momentos exagerados e de puro rock'n’roll a mais intimistas e delicados”,
finaliza.
A cenografia de Nello Marrese
traz elementos fundamentais do universo de Cazuza. “Pensei num cenário poético
e limpo. O espaço cênico é formado por seis praticáveis que representam
palafitas. O chão, areia. É a representação do Arpoador, um dos lugares
preferidos do personagem. O único elemento fixo é uma mesa que se desdobra em
diversas representações: bar, o quarto onde ele compunha (sempre usando uma
máquina de escrever), hospital, e por aí vai…”. Para o cenógrafo, desta
neutralidade cênica partirá o jogo teatral, e completa: “Concebemos três telas
onde haverá projeções não realistas que remetem às cenas e canções, brincando
com a estética da época. Imaginei um grande clipe, representando de maneira
lúdica e simbólica a sucessão de acontecimentos na vida do Cazuza”.
Um amplo trabalho de pesquisa
também foi essencial para a concepção musical do espetáculo. Os diretores musicais
Daniel Rocha e Carlos Bauzys conceituaram a sonoridade em quatro situações:
Barão Vermelho não produzido; a gravação do primeiro disco; e depois do
sucesso, já consolidados. A banda solo de Cazuza também será reproduzida com
fidelidade. “Adaptar a obra dele tornando-a cênica e, ao mesmo tempo empolgante
e reconhecível ao público, foi nosso maior desafio. Usamos teclados programados
com samplers e sintetizadores usados nas gravações do Barão. Dois guitarristas
se revezam também entre violão de nylon, de aço e bandolim; além de um
contrabaixo elétrico e uma bateria eletrônica programada com os timbres da
década de oitenta”, define Daniel.
A escolha de Emílio Dantas para o
personagem título foi imediata, segundo João Fonseca. “Trabalhei recentemente
com Emílio em outro musical e o considero um talento extraordinário. Desde o
começo, achava que ele era o ator ideal para o personagem, o que foi comprovado
durante as audições com a aprovação unânime de toda a equipe e da família do
Cazuza”. Emílio, que além de ator também é cantor – foi vocalista da banda
‘Mulher do Padre’- foi pego de surpresa com a escolha: “Quando vi que a
Lucinha estava no teste, fiquei desesperado. Não queria fazer feio na frente
dela. João me mandou quatro cenas, mas só decorei duas. A saída foi incorporar
a vibe do Cazuza, já entrei meio como naquela loucura dele no palco, fui
sincero e falei que não tinha preparado nada. Busquei captar a essência do
artista, sua postura na vida”, relata. O resultado, desde então, foi uma
relação de total simbiose entre ator e personagem. “Vi muito vídeo, os
bastidores, assisti a várias entrevistas, antes e depois da doença, doidão,
sóbrio, prestei atenção na questão das gírias. Fui para São Paulo e voltei de
carro ouvindo e cantando Cazuza, captando o jeito dele cantar, o carioquês, a
língua presa… “.
O ator precisou emagrecer cinco
quilos para o personagem: “Estava predisposto até a perder mais, mas chegamos
ao consenso de que não seria necessário, porque há toda a fase dele saudável.
Então, para representar a doença, vamos usar uma energia física mais baixa,
maquiagem, luz e figurino”, finaliza.
Completando a ficha técnica,
Paulo Nenem e Daniela Sanches (iluminação), Carol Lobato (figurinos) e Alex
Neoral (coreografia). A banda que se apresenta ao vivo é formada por Marcelo
Eduardo Farias e EvelyneGarcia(teclados), Bernardo Ramos e Daniel Rocha
(guitarras), Raul D’Oliveira (baixo), Rafael Maia (bateria) eHebert Souza
(programação).‘Cazuza pro dia nascer feliz, o musical’ é apresentado pelo
Ministério da Cultura, com patrocínio da Sulamérica, Sem Parare Mills.
E assim, uma das trajetórias mais
impressionantes da música brasileira é recriada pela primeira vez nos palcos.
Aliás, nada mais oportuno, num momento em que se reascende no país, como poucas
vezes se viu, articulações e movimentos em torno da ética, de transparência
pública, de honestidade em diversos planos, de dignidade. “Não sei quem foi o
ufanista que jogou essa bandeira. É uma pessoa louca, porque o Brasil não está
em condições de receber manifestações como essa. Inflação de 900%, um monte de
denúncias de irregularidades, fora o assassinato do Chico Mendes. Eu estou é
triste! Desiludido!”, disse Cazuza para mãe, após cuspir na bandeira pátria
durante um show em 88. Hoje, 15 anos depois, “eu vejo o futuro repetir o
passado, eu vejo um museu de grandes novidades…”, Cazuza estaria se
perguntando: mas, afinal, cadê o Amarildo?
FICHA
TÉCNICA
Texto de Aloísio de Abreu
Direção Geral João Fonseca
Produção Geral Sandro Chaim
Direção Musical Daniel Rocha
Supervisão Musical Carlos Bauzys
Preparador Vocal Felipe Habib
Coreografias
Alex Neoral
Cenário Nello Marrese
Figurino Carol Lobato
VisagismoJuliana Mendes
Design de luz Daniela Sanches e
Paulo Nenem
Design de som Gabriel D´Angelo
Apresentado pelo Ministério da
Cultura
Realização: Miniatura 9, Chaim
XYZ Produções
Elenco:
*Emílio Dantas, Osmar Silveira ou
Bruno Narchi (Cazuza)
Atores convidados: Susana Ribeiro
(Lucinha Araújo), Marcelo Várzea (João Araújo), André Dias (Ezequiel Neves)
Com: Fabiano Medeiros (Ney
Matogrosso), Yasmin Gomlevsky (Bebel Gilberto), Thiago Machado (Frejat), Bruno
Fraga (Maurício Barros), Bruno Narch (Serginho), Bruno Sigrist (Guto Goffi),
Saulo Segreto, (Dé Palmeira), Dezo Mota (Caetano Veloso), , Juliane Bodini
(Swing feminino), Oscar Fabião (Swing masculino), Osmar Silveira (sub Cazuza e
Swing masculino) e Sheila Matos (sub Lucinha e Swing feminino).
Classificação: 14 anos
Duração: 150 min (incluindo
intervalo de 15 min)